ANGELA DAVIS. MULHERES, RAÇA E CLASSE.
CAPITULO 12. RACISMO, CONTROLE DE NATALIDADE E DIREITOS REPRODUTIVOS
O controle de natalidade – opção individual da mulher; aborto; contraceptivos – para é uma questão fundamental para a emancipação das mulheres. não se conseguiu reunir mulheres de diferentes origens sociais em prol do controle de natalidade. Isto porque, as justificações estavam comumente baseadas em conteúdos racistas.
Nos Estados Unidos, o mais importante passo do movimento em busca da liberdade de controle de natalidade se deu no ano de 1970, quando o aborto foi declarado legal. Em 1973 a suprema corte compreendeu que o direito á privacidade individual da mulher é composto pelo direito de decisão a respeito do aborto.
Infelizmente era notória a ausência de mulheres racialmente oprimidas nos movimentos em questão. Pessoas negras, comumente entendiam que era possível igualar o controle de natalidade ao genocídio, e esta reação pareceu paranoica e desproporcional aos olhos brancos e burgueses. Porem este posicionamento a respeito da ideia de comparação ao genocídio contem indicações sobre a historia do movimento pelo controle de natalidade. Este movimento era conhecido por defender a esterilização involuntária – um modo racista de controle de natalidade em massa.
O que mulheres brancas desconheciam, era o fato de que mulheres de minorias étnicas estavam infelizmente mais familiarizadas com o aborto do que mulheres brancas. Um estudo apresentado mostra que em Nova York (1974) 80% dos abortos ilegais envolviam mulheres negras e porto-riquenhas. Estas mulheres não estavam dispostas a expressar sentimentos em prol do aborto, pois eram a favor do mencionado direito, mas não eram defensoras do aborto, pois para elas o aborto dificilmente era uma questão de vontade de ser mãe ou não e sim sobre questoes sociais miseráveis que não dava a elas “vontade” de gerar vida.
O aborto era comum para negras desde os primeiros momentos da escravidão. Inúmeras escravas se recusavam a parir crianças para o mundo da escravidão. Triste episódio de Margaret Garner que matou a própria filha e por isto se comprazia, pois sabia que sua filha jamais saberia o que uma mulher passa por ser escrava, e por esta razão preferia ser julgada e morta por homicídio do que voltar para a escravidão. Deste modo, podemos perceber que abortos e infanticídios eram atos de desespero, justificados por condições opressoras da escravidão. Em síntese, para elas, o aborto não era um caminho para nenhum tipo de liberdade, e sim a realidade de sua situação de opressão.
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Os direitos reprodutivos só puderam aparecer como reivindicação especifica após os direitos das mulheres se tornarem parte de um movimento organizado. Em 1850 Sarah Grimké defende o direito, por parte da mulher, de decidir quando ela deve se tornar mãe, quantas vezes e em que circunstancias.
Em 1873 em meio aos protestos em prol do sufrágio feminino, as feministas defendiam publicamente a maternidade voluntaria. Não era coincidência, pois passando por incessantes partos e abortos espontâneos, dificilmente poderiam exercitar os direitos pelos quais lutavam. Ansiavam também por construir uma vida profissional, e outras coisas distantes do casamento e da maternidade, e só conseguiriam realizar tais sonhos se conseguissem limitar e planejar suas gestações. Percebe-se que esta visão esta intimamente associada à vida das mulheres de classe media e burguesas. As justificações por trás da maternidade voluntária não correspondiam às condições de mulheres da classe trabalhadora, que estavam em uma protestando por melhores condições de sobrevivência. Deste modo, era notória a dificuldade destas de se identificar com o movimento em pauta.
Por volta do final do século XIX, mulheres brancas estavam dando luz a menos crianças, e por isto, o fantasma do suicídio da raça foi levantado nos círculos oficiais. Em 1905 o presidente Roosevelt declarou que para as mulheres brancas que a esterilidade voluntaria é um pecado, ao qual a pena é a morte da nação, o suicídio da raça.
Este episódio restou sendo um fator adicional para que o feminismo fosse identificado como quase que exclusivamente com aspirações de mulheres privilegiadas da sociedade. E, além disto, as feministas passaram a defender o controle de natalidade como obrigação moral da população pobre, pois drenavam os impostos e suas crianças raramente seriam superiores. Deste modo, as defensoras do controle de natalidade, usaram este como um meio para prevenir a proliferação das classes baixas e como um antidoto ao suicídio da raça. A introdução de métodos contraceptivos entre os negros, pobres e imigrantes proporcionaria as mulheres brancas e aos brancos em si, continuar sendo superiores em números na população. Infelizmente o racismo e o viés de classe tomaram conta do movimento pelo controle de natalidade logo no seu inicio. O que era reivindicado como um direito para as mulheres brancas era um dever para as mulheres pobres.
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Quando Margaret Sanger popularizou a sua busca pelo controle de natalidade, por ter sua origem na classe trabalhadora, estava familiarizada com as dificuldades da pobreza e entendia que as mulheres desta classe necessitavam muito do direito de planejar e espaçar suas gestações de modo autônomo.
Entrou para o partido Socialista em 1912 e enquanto estava no partido socialista, sua busca pelo direito ao controle de natalidade estava em total contato com a militância da classe trabalhadora. Porem o controle de natalidade não era o objeto central do partido em comento e deste modo Sanger passou a questionar a centralidade da exploração capitalista, pois para ela, ao ter muitos filhos, mulheres pobres estavam perpetuando a exploração de sua classe inconscientemente, pois colocavam sempre mais pessoas para o mercado de trabalho. Percebe-se que ela estava associada com ideias malthusianas das quais eram simpáticos alguns pensadores socialistas de sua época.
Saindo do partido socialista, e buscando uma campanha independente e especifica em prol do controle de natalidade, Sanger infelizmente aderiu a ideologias racistas predominantes, como o movimento eugenista. Está ai o fim do potencial progressista do movimento em prol do controle de natalidade. Em 1919 publicou em um jornal matéria sobre acreditar que o controle de natalidade era uma questão de mais filhos para os aptos, e menos para os inaptos. Em 1923 a sociedade eugenista conseguiu que 26 estados aprovassem leis de esterilização compulsória e milhares de pessoas “inaptas” estavam sendo cirurgicamente impedidas de se reproduzir. Margaret entendeu este fato como adequado e mencionou publicamente que pessoas analfabetas, pobres, desempregadas, deveriam ser cirurgicamente esterilizadas.
Deste modo, a ideologia racista e eugenista tomou conta da busca pelo controle de natalidade. O potencial progressista foi assassinado no momento em que Sanger passou a defender não o direito individual ao controle de natalidade e sim o modelo racista de controle populacional.
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Em 1973 a suprema corte dos Estados Unidos legalizou o aborto. Porém, a oposição a prática abusiva da esterilização involuntária mostrou-se urgente.
Era comum as clínicas de controle de natalidade dos EUA submeterem jovens a esterilização involuntária. Dados mostram que autoridades ameaçavam cortar benefícios assistenciais das famílias das jovens a não ser que elas se submetessem à esterilização cirúrgica, porém os médicos informaram (mentiam) que a infertilidade era temporária.
Consoante dados da comissão de eugenia do estado da Carolina do Norte, 7.686 esterilizações se realizaram desde o ano de 1933, 65% em mulheres negras.
Eram responsáveis por esta prática, programas federais. Em 1972 uma média de 200 mil esterilizações foram financiadas pelo governo. Este número é em média o mesmo número de esterilização realizado em TODO o período nazista.
Os índios também tomaram parte deste triste momento, consoante testemunha à uma comissão do senado, até 1976, 24% de todas mulheres indígenas em idade de reprodução foram esterilizadas.
O estudo nacional de fertilidade mostra que no ano de 1976, 20% de mulheres negras e mexicanas casadas estavam esterilizadas. 43% das esterilizações subsidiadas pelo governo se deram em mulher negras.
Em 1939, presidente dos EUA declarou que os problemas econômicos de Porto rico eram criados pela superpopulação, deste modo, iniciaram campanha experimental de esterilização. Em 1970, mais de 35% das mulheres já eram cirurgicamente esterilizadas, com um índice de 19 mil esterilizações por mês, estudiosos mostraram que em 20 anos a população trabalhadora e camponesa poderia ser extinta. Pela primeira vez o controle populacional poderia terminar com toda uma geração.
Em 1977, a emenda Hyde acrescentou mais uma dimensão as práticas impositivas de esterilização, extinguiu os recursos federais para abortos, exceto em caso de estupro e risco de morte. Isto causou muitas vítimas, mulheres em que a esterilização passou a ser a única saída, pois diferente dos abortos, estas eram gratuitas para mulheres pobres.
Em 1981, ano da publicação de mulheres raça e classe, a causa não era reconhecida por todo o movimento feminista. Deste modo, enquanto mulheres de minorias eram encorajadas a infertilidade, mulher brancas de condição econômica próspera, ao contrário, eram encorajadas a reprodução. Era notório para Davis que o direito de reprodução de minorias estava em risco, e era preciso união das mulheres como um todo para finalizar a prática abusiva de esterilização.
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