SIMONE DE BEAUVOIR: O SEGUNDO SEXO.
O PONTO DE VISTA DO MATERIALISMO HISTÓRICO.
SIMONE DE BEAUVOIR: O SEGUNDO SEXO.
O PONTO DE VISTA DO MATERIALISMO HISTÓRICO.
A teoria do materialismo histórico pôs em evidencia muitas verdades importantes. A humanidade não é uma espécie animal: é uma realidade histórica. A consciência que a mulher adquire de si mesma não é definida unicamente pela sexualidade. Ela reflete uma situação que depende da estrutura econômica da sociedade, estrutura que traduz o grau de evolução técnica a que chegou a humanidade. Viu-se que, biologicamente, os dois traços que caracterizam a mulher são os seguintes: seu domínio sobre o mundo é menos extenso que o do homem, ela é mais estreitamente submetida á espécie. Mas estes fatos assumem um valor inteiramente diferente segundo o seu contexto econômico e social. Na historia humana, o domínio não se define nunca pelo corpo nu.
Quanto as servidões da maternidade, elas assumem, segundo os costumes, uma importância muito variável: são esmagadoras se se impõe a mulher muitas procriações e se ela deve alimentar e cuidar dos filhos sem mais ajuda; se procria livremente, se a sociedade a auxilia durante a gestação e se se ocupa da criança, os encargos maternais são leves e podem ser facilmente compensados no campo do trabalho.
Na divisão primitiva do trabalho, os dois sexos já constituem, até certo ponto, duas classes; entre elas há igualdade. Enquanto o homem caça e pesca, a mulher permanece no lar. Mas as tarefas domésticas comportam um trabalho produtivo: fabricação de vasilhames, tecelagem, jardinagem, e com isso ela desempenha um papel importante na vida econômica.
Quando a propriedade privada aparece, o homem, senhor dos escravos e da terra, torna-se também proprietário da mulher. Nisto consiste a grande derrota histórica do sexo feminino. O direito paterno substituiu o direito materno, a transmissão da propriedade se da de pai para filho e não maia da mulher a seu clã. É o aparecimento da família patriarcal baseada na propriedade e nesta família – infelizmente – a mulher é oprimida. O homem, reinando soberanamente, permite-se, entre outros, o capricho sexual: dorme com escravas, é polígamo. A partir do momento em que os costumes tornam a reciprocidade possível, a mulher vinga-se pela infidelidade: o casamento completa-se naturalmente com o adultério. É a única defesa da mulher contra a servidão domestica em que é mantida; a opressão social que sofre é a consequência de uma opressão econômica. A igualdade só poderá se reestabelecer quando os dois sexos tiverem direitos juridicamente iguais.
Deste modo, o destino da mulher e o socialismo estão intimamente ligados. A mulher e o proletariado são ambos oprimidos. É o mesmo desenvolvimento da economia a partir de modificações provocadas pelo maquinismo que os deve libertar um e outro. Deste modo, o problema da mulher se reduz a sua capacidade de trabalho. Ela volta a encontrar, no mundo moderno, sua igualdade com o homem. São as resistências do velho paternalismo capitalista que impedem que essa igualdade se realize. E quando a sociedade socialista tiver dominado o mundo inteiro, não haverá mais homens e mulheres, mas tão somente trabalhadores iguais entre si.
Embora a síntese apresentada assinale um progresso, ela nos decepciona, pois os problemas mais importantes são escanteados. É impossível resolve-los sem sair do materialismo histórico, pois ele não pode oferecer soluções para os problemas postos, pois tais problemas interessam o homem na sua totalidade e não essa abstração que se denomina homo oeconomicus.
O que a descoberta do bronze permitiu ao homem foi, mediante a prova de um trabalho duro e produtivo, descobrir-se como criador; dominando a natureza, não mais a teme e, em face das resistências vencidas, tem a audácia de se encarar como atividade autônoma, de se realizar na sua singularidade. É impossível deduzir a opressão da mulher da propriedade privada. É porque o homem é transcendência e ambição que projeta novas ferramentas. Deste modo, o homem aprendeu a mulher através de um projeto de enriquecimento e expansão. E esse projeto ainda não basto para explicar porque ela foi oprimida: a divisão do trabalho por sexo poderia ter sido uma associação amigável. Se a relação original do homem com seu semelhante fosse exclusivamente uma relação de amizade, não se explicaria nenhum tipo de escravização: esse fenômeno é consequência do imperialismo da consciência humana que procura realizar objetivamente a sua soberania. Se não houvesse nela a categoria original do outro, e uma pretensão original ao domínio sobre o outro, a descoberta da ferramenta de bronze não poderia ter acarretado a opressão da mulher.
Engels tentou reduzir a oposição dos sexos a um conflito de classes. Suprimir a família não é necessariamente libertar a mulher: o exemplo de esparta e do regime nazista provam que, embora diretamente ligada ao Estado, ela pode ser oprimida pelos machos. Deste modo, o materialismo racionalista pretende em vão menosprezar o caráter dramático da sexualidade. Não seria possível obrigar diretamente uma mulher a parir: tudo o que se pode fazer é encerrá-la dentro de situações em que a maternidade é a única saída; a lei ou os costumes impõe-lhe o casamento, proíbem medidas anticoncepcionais, o aborto e o divórcio.
Ela é para o homem uma parceira sexual, uma reprodutora, um objeto erótico, um outro através do qual ele busca a si próprio. É preciso ir além do materialismo histórico que só vê no homem e na mulher entidades econômicas. Por baixo dos dramas individuais como o da historia econômica da humanidade, há uma infraestrutura existencial que permite compreender em sua unidade essa forma singular que é uma vida.
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